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pequeno azul e pequeno amarelo, de Leo Lionni
um pouco da história por trás da história

por Dani Gutfreund

pequeno azul e pequeno amarelo, de Leo Lionni, é um livro que experimenta as possibilidades do livro-álbum, explorando seus mecanismos de maneira extremamente precisa. Um livro ideal para estar na prateleira de todas as bibliotecas de quem se interessa pela literatura que esgarça os limites das categorizações e dispensa adjetivos limitantes.

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É verdade que esse livro foi criado tendo as crianças em mente, duas, especificamente, como logo vou contar, mas uma vez que entrou em tantos mundos e abriu muitos outros, passou-se a, pelo menos, desconfiar que histórias ilustradas não se restringem a um único público, talvez porque falem uma língua que conversa com muita gente. E fala com tanta gente porque fala de questões que dizem respeito a todos, trata do que há de mais humano, das relações, da política intrínseca a elas, de sentimentos constituintes, uma forte característica da obra sólida e vasta de Leo Lionni. Fico torcendo para que mais de seus livros 

sejam traduzidos, por ora, temos a sorte de ter Triz, Frederico, Cornélio, Um ovo extraordinário, e, agora, esta nova edição de pequeno azul e pequeno amarelo, que, publicado originalmente em 1959, foi o primeiro livro de Leo Lionni.

 

Lionni faz parte de uma geração de designers e publicitários que, no pós-guerra, decidiram experimentar o campo da literatura, especificamente, livros pensados para crianças. Ao seu lado, havia Paul Rand, Andre François, Antonio Frasconi, o casal Iela e Enzo Mari para mencionar alguns dos autores que marcam esse período fundamental para a compreensão do livro-álbum. Claro que não podemos esquecer da importância de Bruno Munari e suas investigações para a compreensão do livro em toda sua materialidade como elemento narrativo.

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Lionni conta em sua autobiografia [Between Worlds, the Autobiography of Leo Lionni, Knopft, 1997] que fazer o livro foi “um pequeno milagre”. Ele tinha que ir de trem de Nova York para sua casa em Greenwich, com Pippo e Ann, seus dois netos. Era a primeira vez que ficava sozinho com os pequenos. Eram adoráveis, inteligentes e muito sapecas, mas, dada à situação inusitada de estarem apenas com o avô ou à multidão que transitava pela estação, se comportavam bastante bem. Quando se acomodaram num vagão ainda vazio, não precisou de mais do que uns poucos minutos para começarem a pular de um assento para outro – os anjinhos se transformaram em duas criaturas endiabradas. Lionni percebeu que precisava de uma solução criativa, mas principalmente rápida, porque o trem enchia num sem tempo. E foi aí que tirou de sua pasta uma revista Life – era diretor de arte da revista na época – e começou a falar qualquer coisa divertida sobre os anúncios que viam, até que teve “a” ideia ao se deparar com uma folha com um desenho em azul, amarelo e verde. “Vou lhes contar uma história”, ele disse cortando em pedacinhos a imagem colorida. Colocou a pasta sobre os joelhos, fazendo uma mesa, e disse em voz grave: “Este é o pequeno azul e este, o pequeno amarelo”, começando a dispor o papel cortado no palco de couro e criando a história de pequeno azul e pequeno amarelo, melhores amigos, que saíram para um longo passeio. Logo notou que não apenas seus dois netos estavam hipnotizados, mas outros passageiros, que pararam o que estavam fazendo para ouvir a aventura das duas cores. Ao final, as crianças – e alguns passageiros – aplaudiram. Chegando em casa, os três foram para o estúdio do avô para ver como se faz um livro de verdade. Foi nesse momento que Lionni pensou que seria melhor rasgar o papel do que cortá-lo, o que daria um toque artificial demais para um ser vivo. Estudou brevemente o tamanho das formas, pensou no número de páginas, e algumas questões formais que implicariam na narrativa. Recontou mais ou menos a história improvisada no trem, agora preocupado com o ritmo e o desenvolvimento, do início ao fim. Pensou na posição dos elementos na página, no movimento das personagens, a fim de sugerir o que faziam e como se sentiam. Ele conta:

                                                         

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“quando estavam tristes, estavam embaixo, quando estavam entusiasmados, no alto. Quando os apresentei, coloquei-os no centro da página; quando se aproximavam um do outro, eram colocados nos cantos ou perto deles, como se estivessem ansiosos para passar para a próxima página, para continuar sua busca. Enquanto os dispunha na página e colava com material adesivo, percebi que estava reproduzindo em forma narrativa as brincadeiras que fazia nas minhas primeiras semanas em Ayer, quando experimentava as posições no espaço para evocar estados de ânimo e mesmo expressar significado.” (pág 236)

As crianças contaram à mãe e à avó que haviam feito um livro. E, para nossa sorte, um editor amigo foi jantar na casa deles no dia seguinte e lhe contou que havia acabado de ser nomeado editor de livros infantis. Não precisou muito para se encantar com a história, publicando-a em seguida.

Além do que foi elencado por Lionni, percebem-se claramente outros elementos e recursos típicos do livro-álbum na narrativa: na capa um prefácio da história; nas guardas as duas cores protagonistas são dispostas lado a lado numa dupla em que a página da esquerda tem fundo branco e a da direita, preto, fazendo com que experimentemos o comportamento diverso das cores a depender do contexto, da relação; a virada da página que faz as vezes de vírgula, um texto espremido, acuado, transbordando medo; uma imagem como epílogo; as palavras que te jogam para as imagens, as imagens que pedem as palavras; o ritmo marcado; a virada da página como suspensão; a página segura e a aventuresca; a escolha dos pronomes e advérbios. Lionni, como outros autores da época que marcaram a história do livro-álbum talvez tenha tomado muitas decisões intuitivamente, decisões informadas pelo seu conhecimento da área do Design e, claro, por seu profundo conhecimento da alma humana.

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